No meu canto verde e calmo, deito quase de olhos fechados. Desfaço
das sapatilhas e apoio a cabeça em cima da bolsa. O rio corre calmo aos meus
pés, as aves cantam como se o céu fosse um palco grande e azul. O vento
bate levemente no meu rosto e sinto, bem perto, Deus brincando de ciranda com
uma criança. O vestido da menininha de chiquinhas, que ele segura pela
mão, voa num carrossel feito de tecido colorido. As balas e os laços estampados
se chocam docemente com o ar. Ela
ri alto, e Ele a gira cada vez mais rápido, fazendo com que tenha pequenos
vôos.
Arrepios brincam de se esconder nas costas da pequena garotinha e ela
gargalha alto. Não sabe dizer, mas gostaria de contar sobre a flor amarela, que
cresce no seu coração toda vez que Ele a olha. Aliás, se pudesse, falaria das
árvores de pitanga e das borboletas azuis e brancas que a vem visitar de vez em
quando. Se pudesse contaria, também, que O via toda vez que visitava a
cachoeira no interior do coração da sua tia ou quando comia o bolo de fubá, que
sua mãe tanto pedia para que não devorasse quente. Mas a única coisa que tentou
balbuciar ficou no ar, congelada pelo tempo, que de repente fechava...
Pra onde tinha ido a ciranda?
Por alguns momentos no ano de 2012 ela foi embora. Por alguns meses, que
pareceram guardar anos, fui vácuo, vazio, soluço. Chorei a vida que
escorreu para longe e segui aos trancos. Era geada no verão, inverno na
primavera. No caminho me faltou chão, mas amigos – aos quais anjos emprestaram
o coração – me foram pé, passos e ponte e pude continuar acreditando. Tropecei
mais algumas vezes ao longo do deserto e deixei, por várias delas, meu coração
desaguar. Nesses momentos percebi um barquinho de papel navegando corajoso e
solidário pelas águas turbulentas, era o dono dos olhos mais doces e castanhos
trazendo calma à minha falta. Quando pensei que enfim descansaria, meu medo me
impediu de encontrar Deus. E brigamos. Ou melhor, eu briguei por Ele deixar a minha pequenez
interferir em nossa relação e em troca Ele me fez maior.
Era a cura do amor em todas as suas formas.
Enfim a primavera chegou e o jardim floriu de novo. Abri as janelas,
convidei o sol a entrar e plantei o que consegui de bonito. Continuei, por mais
um ano, homenageando minha distração ao perder livros, bilhetes de ônibus,
blusas e guarda-chuvas. Desfrutei a possibilidade de mudar de ideia e logo
desmontei algumas que sustentei por anos. Sem culpa. Fiz as pazes com os exercícios
físicos e descobri que não eram tão chatos assim. Fui feliz. Descobri um novo
jeito de amar e ser amada e fui feliz mais ainda.
E hoje, há algumas horas deste ano novo, fecho os olhos e sinto o vento
bater levemente no meu rosto. Um rio corre calmo dentro de mim, enquanto as
aves cantam. A camiseta de malha chacoalha com a brisa do fim de tarde e
refresca as minhas costas. O sol se despede devagar. Sinto-me inteira, pronta e
disposta para encarar e aproveitar a vida, mais e de novo. Sei que
tudo pode mudar. A qualquer hora o tempo pode fechar, trazendo chuva e trovões ao meu castelo de areia. Tudo que construí pode
desmoronar em segundos. Eu sei. Mas ouço Deus brincar de ciranda com
uma criança, bem perto. Eles riem e Ele a segura pela mão.
Concluo minha jornada, pelo menos até aqui, tateando sem
mágoa e sem medo as ruínas do que fui e dançando no espaço de onde nasceu o que sou.
Obrigada à família, aos amigos e ao amor.